Bolsonaro gastou, em um só dia, 33 mil reais em uma padaria na véspera de uma motociata no Rio. Os dados ainda estão sendo analisados.
A queda dos sigilos impostos pelo Ex-Presidente Jair Bolsonaro começam a revelar para sociedade a verdadeira face do governo que prometia uma gestão sem corrupção, sendo uma de suas principais bandeiras coibir os desvios públicos.
Agora os gastos com o cartão corporativo da presidência da República, durante a gestão de Jair Bolsonaro (PL), vieram a público revelando ao menos R$ 27,6 milhões em despesas.
A utilização do cartão corporativo em si é algo legal e estabelecido em lei como forma de auxiliar a administração pública no exercício de suas atribuições. Entretanto não significa que se trata de uma verba não fiscalizada, ou que pode ser utilizada como extensão dos ganhos financeiros do ocupante da cadeira.
As despesas de cunho pessoal, ou, pior, de campanhas políticas jamais deverão ser imputadas no cartão corporativo, pois, quem paga esta “fatura” é ninguém menos que o povo brasileiro.
O sigilo, que jamais deveria ter existido, já havia levantado suspeitas de que se tratava de uma verdadeira “farra” com o dinheiro público, mas agora há comprovação documentada destes desvios que estão sendo revisados pela análise das despesas que estavam listadas.
Para que seja colocado em uma ótica de comparação, em 2008 o então ministro dos Esportes Orlando Silva foi protagonista de um escândalo por haver comprado com o cartão coorporativo uma tapioca no valor de R$ 8,30. Desta vez estamos falando, para exemplificar, de gastos em um único dia de 33 mil – 22 de maio de 2021, na véspera de uma motociata realizada no Rio de Janeiro, conforme reportagem do Estadão.
As informações foram conseguidas pela Fiquem Sabendo – agência de dados públicos especializada na Lei de Acesso à Informação (LAI). Um pedido feito em 18 de dezembro foi respondido na noite de 11 de janeiro, indicando um link em que constam os dados dos gastos do cartão corporativo de todos os presidentes da República desde 2003, início do primeiro mandato de Lula. Esse modelo de transparência não foi usado em gestões anteriores. Por exemplo, as despesas de Michel Temer só vieram a público a partir de um pedido feito via LAI.
Hotéis de luxo
Ao todo, constam no sistema 22 CPFs de servidores responsáveis pelas compras, mas apenas dois concentram a metade das notas fiscais. Dos 59 tipos de despesas feitas com o cartão, os gastos com hotel foram os que mais consumiram recursos. Pelo menos R$ 13,6 milhões foram desembolsados em hospedagem: muitas vezes em locais de luxo, contrariando o discurso adotado muitas vezes por Bolsonaro, que afirmava ser contrário a esbanjar dinheiro público quando é possível optar pela simplicidade.
Na lista de endereços que receberam quantias polpudas está o Ferraretto Hotel, em Guarujá (SP), onde o agora ex-presidente costumava passar momentos de descanso. Ao longo dos quatro anos, o estabelecimento recebeu R$ 1,46 milhão. Consultas na internet mostram que as diárias variam de R$ 436 (em promoção) a R$ 940. Assim, considerando um valor médio de R$ 500, o montante seria suficiente para mais de 2,9 mil diárias.
As dez maiores notas fiscais de despesas no cartão corporativo são de hospedagem, variando entre R$ 115 mil e R$ 312 mil. Mas chama a atenção na lista de gastos expressivos a presença de um acanhado restaurante de Boa Vista, em Roraima.
Há uma nota de R$ 109 mil no Sabor de Casa, estabelecimento que fornece marmitas promocionais a R$ 20 e também faz entregas. A nota fiscal é de 26 de outubro de 2021, quando Bolsonaro estava na cidade para verificar a situação de refugiados vindos da Venezuela. O mesmo local recebeu dois pagamentos – de R$ 28 mil e R$ 14 mil – em setembro do mesmo ano.
Também em panificadoras os gastos em vários estabelecimentos passavam de R$ 10 mil – quase oito salários mínimos de uma única vez. Por 20 vezes ao longo do mandato de Bolsonaro, foram realizados gastos significativos em uma das filiais da padaria carioca Santa Marta. As notas fiscais variam de R$ 880 (menor valor) a R$ 55 mil (maior valor), com média de R$ 18 mil. Ao todo, o estabelecimento recebeu R$ 362 mil do cartão corporativo da presidência. Um dos gastos – de R$ 33 mil – foi no dia 22 de maio de 2021, na véspera de uma motociata realizada no Rio de Janeiro.
A divulgação dos dados do cartão corporativo da presidência deve jogar luz sobre as reais despesas com as motociatas. Por exemplo, entre os dias 9 e 10 de julho de 2021, Bolsonaro esteve na Serra Gaúcha e em Porto Alegre – onde foi seguido de moto por apoiadores. Nesses dois dias, foram gastos R$ 166 mil no cartão corporativo, em 46 despesas, concentradas em hospedagem, alimentação e combustível.
Aparentemente, os gastos em viagens internacionais não estão na base de dados. É o caso das despesas entre 18 e 19 de setembro, em Londres, durante o funeral da Rainha Elizabeth.
Comparativo com outros governos
As análises ainda são superficiais, e é cedo para ter um real diagnonóstico se os gastos de Bolsonaro com o cartão corporativo são maiores ou menores que os feitos pelos antecessores, e ainda se constituem crime de desvio. Os dados agora divulgados apontam para R$ 27,6 milhões em despesas nos quatro anos, mas os valores totais podem ser maiores, uma vez que um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) apontou R$ 21 milhões com o cartão da presidência apenas nos dois primeiros anos de mandato de Bolsonaro.