Mais de 200 trabalhadores foram resgatados de condições análogas à escravidão e vinícolas do RS podem ser responsabilizadas, diz MTE
Na quarta-feira, 23 de fevereiro, uma operação policial em Bento Gonçalves, na Serra do Rio Grande do Sul, resgatou mais de 200 pessoas que estavam sendo submetidas a condições análogas à escravidão durante a safra da uva. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) afirmou que as vinícolas responsáveis pelo uso dessa mão de obra podem ter que pagar direitos trabalhistas aos funcionários resgatados.
O caso foi descoberto após a Polícia Rodoviária Federal resgatar mais de 200 trabalhadores do local. O alojamento onde os trabalhadores estavam instalados tinha câmeras de monitoramento, e os trabalhadores eram ameaçados caso reclamassem de alguma coisa. Foi encontrado ainda máquinas de choque e sprays de pimenta, que eram utilizados para obrigar os trabalhadores a realizar as tarefas ordenadas.
De acordo com Vanius Corte, gerente regional do MTE em Caxias do Sul, as vinícolas Aurora, Cooperativa Garibaldi e Salton contrataram a empresa de serviços de apoio administrativo Fênix, que oferecia a mão de obra dos trabalhadores. Pedro Augusto de Oliveira Santana, responsável por essa empresa, foi preso por sua participação nos crimes, mas pagou fiança no valor de R$ 40 mil e responderá em liberdade.
As vinícolas que fizeram uso dessa mão de obra análoga à escravidão poderão ser responsabilizadas pelo pagamento dos direitos trabalhistas caso a Fênix não cumpra com suas obrigações. Segundo o MTE, as pessoas que se beneficiaram do uso dessa mão de obra também poderão ser responsabilizadas. Essa responsabilidade é conhecida como subsidiária.
O trabalho escravo é uma faceta persistente nas áreas rurais brasileiras, e percebe-se que o aparente sucesso de algumas marcas de grande projeção nacional e internacional que operam na Serra Gaúcha não tiveram o rigor necessário para realizar a contratação de empresas terceirizadas e fiscalizar a condição dos trabalhadores que prestavam serviço dentro de suas propriedades modernas e altamente financiadas, o que desmente a noção de que trabalho escravo é algo que ocorre apenas nos grotões mais distantes do Brasil profundo.
Empresas em geral se utilizam da prática de contratação terceirizada, grande parte das vezes, com o objetivo de baixar os custos trabalhistas. A vinícola Aurora, por exemplo, teve vendas acima de R$ 700 milhões em 2020, e a Salton faturou R$ 500 milhões em 2022, seguida pela cooperativa Garibaldi R$ 243,4 milhões em 2021.
Dois trabalhadores da Bahia, que foram vítimas do trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, detalharam como foram contratados para o emprego e o que vivenciaram. Ambos fugiram após presenciarem agressões físicas, verbais e ameaças.
“Chegamos lá com um grupo grande de pessoas. Quando vimos a situação todos quiseram ir embora, mas a gente não tinha dinheiro para voltar“, contou.
“Quando souberam que dei baixa na minha carteira [de trabalho], ele [suspeito] passou com a pistola com o cabo para fora para me intimidar. Apontavam a arma para irmos trabalhar, davam choque no pé. Era trabalho forçado“, disse.
“Acordavam a gente 4h da manhã, chamando a gente de demônio e presidiário. Nem força para trabalhar a gente tinha” , completou.
Ambos relataram que não tinham acesso à toalha, lençol, nem talheres. A comida, que chegava em quentinhas e geralmente estava estragada, era consumida com a mão, o que fez com que a maioria dos trabalhadores contraíssem dívidas para conseguir se alimentar.
De imediato foram registrados vários comentários de repúdio às práticas de trabalho análogo à escravidão, e a cobrança de um posicionamento das empresas envolvidas, ganhando força um movimento de boicote às principais marcas das vinícolas Salton, Aurora e cooperativa Garibaldi.