Em 20 de novembro de 2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva oficializou a indicação do advogado-geral da União, Jorge Messias, para a vaga aberta pela aposentadoria antecipada de Luís Roberto Barroso no Supremo Tribunal Federal. Aos 45 anos, Messias poderá permanecer na Corte até 2100, quase três décadas após o fim de um eventual segundo mandato de Lula. A escolha reacende um debate grave sobre a captura política do Judiciário brasileiro e o desequilíbrio crônico entre os poderes da República.
Do “Bessias” ao STF: Uma Trajetória de Confiança Absoluta no PT
Jorge Messias ficou nacionalmente conhecido em março de 2016, quando uma gravação entre Dilma Rousseff e Lula o citou como “Bessias”. Na conversa, Dilma informava que enviaria com ele o termo de posse de Lula como ministro da Casa Civil, documento que seria usado apenas “em caso de necessidade”. A manobra, interpretada como tentativa de blindar Lula da Lava Jato com foro privilegiado, foi barrada horas depois pelo STF. Naquele momento, Messias era subchefe jurídico da Presidência da República e atuava como elo direto entre o Palácio do Planalto e o Judiciário em plena crise institucional.
Após o impeachment de Dilma, ele trabalhou no gabinete do senador Jaques Wagner (PT-BA). Com a volta de Lula ao poder em 2023, coordenou o grupo técnico de transparência da transição e foi nomeado advogado-geral da União. Como AGU, defendeu pautas polêmicas do governo, incluindo o marco legal das redes sociais e ações judiciais pós-8 de janeiro. Sua tese de doutorado, defendida em 2024, critica o que chama de “autoritarismo judicial” do STF durante os julgamentos do Mensalão e da Lava Jato, posicionando-se claramente favorável a um Judiciário alinhado à agenda do atual governo.
O PT Já Domina o STF e Pode Dominar Ainda Mais
Com a indicação de Messias, Lula alcança a marca de onze nomeações ao Supremo em três mandatos, somadas às cinco de Dilma Rousseff, totalizando dezesseis indicações petistas desde 2003. Na composição atual, sete dos onze ministros foram indicados por Lula ou Dilma. Com Messias, serão oito.
Lista dos ministros atuais e suas origens:
- Cármen Lúcia (Lula, 2006) – ex-assessora jurídica do PT
- Dias Toffoli (Lula, 2009) – ex-advogado-geral da União de Lula e advogado do PT em campanhas
- Luiz Fux (Dilma, 2011) – alinhado em diversas pautas com o bloco petista
- Edson Fachin (Dilma, 2015) – relator que anulou condenações de Lula na Lava Jato
- Cristiano Zanin (Lula, 2023) – advogado pessoal de Lula por quase uma década
- Flávio Dino (Lula, 2023) – ex-ministro da Justiça do atual governo
- Jorge Messias (Lula, 2025, pendente) – ex-assessor de Dilma e atual AGU
- Nunes Marques (Bolsonaro2020) – Nomeado por Lula como Juiz do TRE em 2008
Se Lula for reeleito em 2026 e cumprir o quarto mandato até 2030, terá direito a indicar mais dois ministros: Rosa Weber completa 75 anos em outubro de 2026 e Gilmar Mendes em dezembro de 2030. Isso elevaria o número de ministros indicados pelo PT a dez em uma Corte de onze cadeiras, uma concentração de poder sem precedentes na história democrática brasileira.
A Prerrogativa Presidencial Deformada: Um Defeito Estrutural da Constituição
A Constituição de 1988 concede ao presidente da República a indicação livre de ministros do STF, com mera sabatina no Senado. Na prática, o Senado nunca rejeitou um indicado desde 1894. Presidentes com dois mandatos consecutivos podem nomear até sete ministros; com mandatos não consecutivos, como no caso de Lula, o número cresce exponencialmente. Some-se a isso a PEC da Bengala (2015), que estendeu a aposentadoria compulsória de 70 para 75 anos, e o resultado é claro: um único líder político pode moldar o Supremo por gerações.
Esse modelo transforma o tribunal em espelho do governo do momento. Quando o ocupante do Planalto muda de espectro ideológico, o STF oscila como pêndulo, perdendo legitimidade e previsibilidade. Decisões sobre temas como aborto, política indigenista, regulação da internet e anistia a condenados da Lava Jato passam a depender menos da Constituição e mais de quem indicou a maioria dos ministros.
O Desequilíbrio dos Poderes e o Risco Institucional
O STF deixou de ser apenas intérprete da Constituição para atuar como legislador positivo em diversas áreas. Com uma maioria claramente alinhada ao governo que o formou, o tribunal perde a capacidade de funcionar como contrapeso efetivo ao Executivo e ao Legislativo. A anulação das condenações de Lula em 2021, a condução de inquéritos como o das fake news e das milícias digitais, e a censura a perfis de redes sociais são exemplos de decisões tomadas por uma Corte em que sete (em breve oito) ministros devem lealdade direta ou indireta ao mesmo grupo político.
Se Lula for reeleito, o Brasil chegará a 2031 com dez dos onze ministros indicados por governos do PT. Nesse cenário, o Supremo deixará de ser o guardião da Constituição para se tornar, na prática, um conselho superior do governo, capaz de validar qualquer agenda política sem freios institucionais significativos.
A indicação de Jorge Messias não é apenas mais um nome. É o símbolo de um processo que já caminhou demais: a transformação do Supremo Tribunal Federal em um braço prolongado do Palácio do Planalto. Sem reforma profunda (mandato fixo não renovável, lista tríplice qualificada ou outra solução que reduza o poder discricionário do presidente), o Brasil consolida um modelo em que quem ganha a eleição presidencial ganha também, por décadas, o controle da última palavra sobre a Constituição. E isso não é fortalecimento da democracia. É o seu enfraquecimento silencioso e duradouro.

