Cinco dias após o vendaval que atingiu a Grande São Paulo, o foco da narrativa pública está concentrado nos 2,2 milhões de imóveis que já tiveram a energia restabelecida. A concessionária divulga mapas, percentuais e metas para o fim do domingo, tentando passar a imagem de normalidade em avanço. Mas os quase 160 mil imóveis que seguem no escuro expõem um lado pouco explorado dessa história, que não aparece nos comunicados oficiais.
Ao destacar que apenas 1,8% da base de clientes ainda está sem energia, a empresa empacota o problema em números que parecem pequenos. No entanto, 159 mil imóveis equivalem a bairros inteiros parados, com comerciantes que perderam mercadorias, famílias sem geladeira, sem internet e até sem segurança nas ruas escuras. Em bairros como Vila Mariana, Butantã, Vila Andrade, Vila Gumercindo e Brooklin, moradores relatam que a luz só voltou depois de protestos, o que indica resposta reativa e desigual, e não um plano de contingência robusto.
Outro ponto pouco debatido é o descumprimento de uma decisão judicial que determinou o restabelecimento em 12 horas. Em vez de ser tratado como um alerta sobre a fragilidade da fiscalização e dos contratos de concessão, o atraso aparece diluído em promessas de conclusão “até o fim do domingo”. Fica fora da narrativa a discussão sobre investimentos em podas preventivas, modernização da rede e multas realmente dissuasivas, que poderiam reduzir drasticamente o tempo de restabelecimento em eventos climáticos já previsíveis.
Ao limitar a cobertura à contagem regressiva de imóveis religados, o debate público deixa na sombra o principal: por que, em uma região tão estratégica como a Grande São Paulo, ainda não há um padrão de qualidade que impeça centenas de milhares de consumidores de dependerem de protestos e decisões judiciais para ter um serviço básico garantido. O caso atual mostra que o problema não é só o vendaval, mas um modelo de concessão pouco transparente, com metas frouxas e impacto social subdimensionado na comunicação oficial.
