A Caneta BIC de Bolsonaro X A Caneta de um eleitor do Piauí de Lula: A força dos símbolos na comunicação na posse de Lula.
Passadas as primeiras horas após a posse do presidente Luís Inácio Lula da Silva, em seu terceiro mandato, os analistas políticos se debruçam sobre as primeiras ações, decretos e movimentos do governo para determinar a postura que pretende adotar a nova administração petista.
Entretanto, para além das questões diretas da administração a análise do “recado” do novo presidente pode ser observado nos detalhes da comunicação simbólica cuidadosamente pensada pela equipe de planejamento da posse.
Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro partiu (sem data para retornar) para um “resort” nos Estados Unidos, fixando um conceito derrotista e de abandono de seus fieis apoiadores, Lula, por sua vez, apostou certeiramente em mostrar que subiu a rampa do palácio do planalto de mãos dadas com os cidadãos brasileiros, aniquilando assim toda e qualquer semiótica de que os resultados das urnas não foram legítimos ou não expressaram a vontade do povo.
A manobra antidemocrática de Jair Bolsonaro não passar a faixa presidencial para o presidente eleito, longe de mostrar um gesto de força do ex-presidente, deu de bandeja uma oportunidade para que a comunicação através de símbolos fosse explorada com maestria, e permitiu a Lula decidir que, pela primeira vez, fosse o povo a entregar a faixa presidencial ao novo Presidente do Brasil, naquela que foi uma das maiores surpresas da cerimónia da tomada de posse.
A frase adotada como lema do governo teve como objetivo massificar o conceito de união, bem como a informação de que o ex-presidente dilapidou o estado de todas as maneiras: “União e Reconstrução” passará a ser a assinatura de um Brasil diverso e multicolorido – exatamente como a nova logomarca adotada, que uniu as cores de todas as bandeiras dos estados brasileiros.
Na contramão de um governo plural, a logomarca do governo de Bolsonaro equivocadamente exibia uma bandeira do Brasil partida ao meio como recurso estilístico, mas que como significado traduzia, mesmo que inadvertidamente (ou não), a divisão e a segregação do Brasil. Outros diversos momentos do ex-governo apropriou-se de lemas ou semióticas tipicamente naz*stas, a exemplo do lema “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”. A primeira parte é imitação idêntica alemã “Deutschland über alles” (‘Alemanha acima de tudo’), frase que encabeçava o hino nacional do país. Embora não criado pelos nazistas e sim um século antes, pelo poeta August Hoffmann von Fallersleben (1798-1874), o lema foi tão utilizado por Hitler e seus adeptos, que após o fim da Segunda Guerra, foi não somente removido do hino nacional, mas também estritamente proibido no país.
Entre os representantes da sociedade brasileira que transmitiram a faixa a Lula, uns conhecidos e outros anónimos, estavam o Raoni Metuktire, o maior líder da etnia caiapó do Brasil; um jovem com deficiência chamado Ivan Baron, que teve paralisia cerebral causada por uma meningite; Murilo de Jesus, professor de português; Jucimara dos Santos, uma cozinheira; Francisco, um menino negro de 10 anos que mora em São Paulo; e Aline Souza, que trabalha apanhando lixo nas ruas. Todos subiram a rampa do Palácio do Planalto, ao lado do novo Presidente, que trazia consigo a cadela Resistência, assim batizada em homenagem à resistência de Lula quando esteve preso em Curitiba.
Toda a cerimônia usou a tônica da semiótica simbólica e emocional, tendo como ponto alto a passagem da faixa presidencial, o símbolo da transição do poder brasileiro, que passou de mão em mão até chegar a Aline Sousa, uma mulher negra, de 33 anos, mãe, que ganha a vida nas ruas a catar lixo reciclável.
A simbologia adotada tornou-se tão eficiente que a força simbólica assumiu o protagonismo das análises políticas da imprensa, tornando-se maior do que a própria tomada de posse, e virando uma verdadeira alegoria da diversidade ética, do respeito as minorias e unificação do país.
Lula não desejava apenas tomar posse, pretendeu fazer história e firmar conceitos do que ele é e representa. Quebrou o protocolo no Congresso Nacional neste domingo pedindo a palavra para contar a história da caneta que usaria para assinar o termo de posse, após um processo eleitoral tão conturbado, onde as ameaças a democracia foram constantes:
“Eu queria contar uma história. Em 1989, eu estava fazendo comício no Piauí. Foi um grande comício. Depois, nós fomos caminhar até a igreja São Benedito. E, ao terminar o comício, um cidadão me deu essa caneta e disse que era pra eu assinar a posse se eu ganhasse as eleições de 89”, relembrou.
Enquanto Bolsonaro tentou implementar a imagem de um “homem simples e de família” utilizando uma caneta BIC, ou sendo filmado tomando “café pingado” a sua comunicação não conseguia penetrar nas camadas da população que nunca se identificaram com a mensagem ou até mesmo a contradição entre os símbolos e os gestos.
A simbologia na comunicação política no terceiro mandato de Lula não é um detalhe, é uma declaração de filosofia de governo.